Dador de sangue: Dar sangue é dar vida e esperança

Jun 14 / Margarete Cardoso

Como um simples gesto pode salvar até três vidas


No Dia Mundial do Dador de Sangue, que se comemora a 14 de junho, celebramos todos os heróis anónimos que, com um gesto simples, mas poderoso, fazem a diferença entre a vida e a morte.
Imagina, por um momento, que acordas de manhã, tomas o teu café, e decides dedicar parte do teu dia para salvar uma vida. Parece impossível? Na verdade, é mais simples do que pensas. Uma única dádiva de sangue pode salvar até três vidas.

O sangue é, literalmente, a vida que corre nas nossas veias. É uma matéria-prima rara e de valor inestimável que não pode ser fabricada em laboratório, nem substituída por qualquer tecnologia. Por isso, a única fonte são as pessoas - dadores generosos que compreendem que dar sangue é dar vida. Sem dadores de sangue não há sangue. A participação da população na dádiva de sangue é assim fundamental para a manutenção das reservas de sangue, de forma a evitar que a necessidade de sangue seja maior do que a reposição do mesmo.

A segurança é a prioridade em todo este processo. Cada unidade de sangue é submetida a rigorosos testes laboratoriais para despistar doenças transmissíveis. No entanto, a primeira linha de defesa é a honestidade do próprio dador ao preencher o questionário e na realização da consulta médica.

Sem sangue não há milagres

Quando pensamos em emergências médicas, raramente consideramos o papel fundamental do sangue. No entanto, os seus diferentes componentes - eritrócitos, plaquetas e plasma - são protagonistas em muitas cirurgias complexas que salvam vidas todos os dias, em tratamentos oncológicos que devolvem esperança, em emergências traumáticas onde cada segundo conta ou em doenças hematológicas que necessitam de transfusões regulares.

Sem o dador de sangue, estas intervenções médicas seriam simplesmente impossíveis. É uma cadeia de solidariedade onde cada elo - cada dador - é absolutamente essencial. 

Portugal em números: A realidade da dádiva

Os dados do Relatório de Atividade Transfusional e Sistema Português de Hemovigilância 2023 revelam uma realidade mista que deve fazer-nos refletir sobre o estado atual da dádiva de sangue no nosso país.

Em 2023, manteve-se a tendência positiva do aumento do número de inscrições para a dádiva e do número de dadores que efetivamente realizaram dádivas. Contudo, o número total de dádivas registadas permaneceu sobreponível a 2022, um aparente paradoxo que se explica pela diminuição do número de dádivas por dador. Entre as várias causas desta redução, destaca-se a suspensão temporária de dadores associada a viagens para locais com risco geográfico, uma tendência que se tem acentuado nos últimos anos.

Envelhecimento do dador de sangue 

Outro fenómeno preocupante que continua a verificar-se é o envelhecimento progressivo da população de dadores, reflexo das alterações demográficas na população portuguesa. Os dados evidenciam um aumento proporcional significativo nos grupos etários entre os 45 e os 65 anos, e mesmo acima dos 65 anos, o que levanta questões sobre a sustentabilidade futura do sistema.

A evolução do número de dadores homólogos que doaram pela primeira vez em 2023 apresenta um valor absoluto semelhante ao de 2022, como demonstra a tabela 1. No entanto, uma nota muito positiva é o aumento do número de dadores regulares relativamente aos três anos anteriores, resultados que parecem evidenciar a eficácia da implementação de novas estratégias de promoção da dádiva desenvolvidas pelos serviços de sangue.

Dador de sangue: as suspensões temporárias e definitivas 

Apesar destes progressos no recrutamento e fidelização, persistem desafios significativos. Mantém-se a tendência de acréscimo do número de suspensões temporárias e definitivas, iniciada em 2021. O aumento das suspensões temporárias continua a ser explicado, em grande parte, pela realização de viagens para destinos considerados de risco, uma realidade que reflete os padrões de mobilidade dos portugueses no pós-pandemia. Mais preocupante ainda é o facto de 2023 ter registado o valor mais elevado de suspensões definitivas desde 2015.

Os motivos mais frequentes para a recusa de dádivas homólogas, apresentados na tabela 2, fornecem insights valiosos sobre as barreiras operacionais que ainda enfrentamos e que requerem atenção específica por parte dos serviços de sangue.

Este retrato revela que, apesar dos progressos alcançados, Portugal enfrenta o duplo desafio de rejuvenescer a sua base de dadores e otimizar a frequência de dádivas dos dadores existentes, garantindo assim a sustentabilidade do sistema transfusional nacional.

O que nos motiva a dar sangue?

Estudos revelam que os dadores são movidos por motivações profundamente humanas (Cardoso, 2013 e Teixeira, 2023):

  • Altruísmo: "Quero ajudar sem esperar nada em troca" - esta é a principal razão que leva as pessoas a dar sangue. É uma expressão da solidariedade humana;
  • Responsabilidade Social: Muitos veem a dádiva como um dever moral, uma forma de contribuir para o bem comum, tal como fazer doações ou voluntariado;
  • Reciprocidade: "Dou hoje porque espero ter se algum dia precisar";
  • Incentivo: Pedidos de amigos, familiares ou campanhas mediática motivam frequentemente a primeira dádiva;
  • Localização conveniente: Proximidade do local de dádiva relativamente à residência ou trabalho;
  • Bom atendimento: Sentir-se bem tratado motiva o dador de sangue.


Os sentimentos associados à dádiva incluem alegria, sensação de dever cumprido e compaixão, além de ansiedade e medo, especialmente entre novos dadores (Cardoso, 2023).

Dar sangue é um ato de amor - e pode até ser um gesto em família.

Conhece a história da Célia Henriques e das suas duas filhas, que fazem da dádiva de sangue um compromisso regular. Um exemplo simples, inspirador e verdadeiro de como, juntos, podemos fazer a diferença.
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As barreiras invisíveis: Por que algumas pessoas não dão sangue? 

Compreender os obstáculos é fundamental para os ultrapassar. Por isso, torna-se cada vez mais importante conhecer os motivos que levam as pessoas a não dar sangue.

As principais barreiras incluem (Cardoso, 2013 e Teixeira, 2023):

Medos e receios compreensíveis

Muitas pessoas afastam-se da dádiva por medo de agulhas ou de ver sangue, receio de desenvolver anemia, ansiedade sobre possíveis infeções, ou medo de desmaiar e sentir-se fraco após a dádiva.

Barreiras do dia a dia

As questões práticas também pesam na decisão de se tornar dador de sangue: horários incompatíveis com a rotina diária, localização inconveniente dos centros de dádiva, longos tempos de espera que desencorajam o regresso, e até a simples falta de estacionamento próximo.

A falta de informação

Esta é talvez a mais significativa de todas. Muitas pessoas não sabem onde podem dar sangue, desconhecem os critérios de elegibilidade, têm ideias erradas sobre o processo, ou simplesmente não compreendem a real necessidade constante de sangue.

O eterno "Não tenho tempo"

Esta desculpa comum reflete frequentemente uma questão de prioridades, mais do que falta real de tempo. A verdade é que doar sangue demora menos tempo do que ver um filme ou fazer compras no supermercado.

A experiência importa: Como tornar a dádiva positiva

A qualidade do serviço prestado pelos centros de dádiva é crucial. Uma má experiência pode afastar um dador de sangue para sempre, enquanto uma experiência positiva cria embaixadores da causa.

O que os dadores mais valorizam numa experiência de dádiva inclui tempos de espera reduzidos, profissionais simpáticos e competentes, instalações limpas e confortáveis, informação clara sobre todo o processo, e reconhecimento genuíno pelo gesto realizado (Cardoso, 2013 e Teixeira, 2023)

As áreas que carecem de melhoria passam pela redução dos tempos de espera, melhor comunicação entre profissionais e dadores, horários mais flexíveis que se adaptem às rotinas modernas, maior proximidade geográfica dos centros e mais informação sobre o impacto real de cada dádiva (Cardoso, 2013 e Teixeira, 2023).

Como promover a cultura da dádiva: Estratégias que funcionam

Para aumentar o número de dadores, precisamos de abordagens inovadores e eficazes (Cardoso, 2013 e Teixeira, 2023):

Educação e sensibilização

O investimento em campanhas educativas nas escolas, informação clara sobre mitos e realidades da dádiva, e a utilização inteligente das redes sociais para chegar às gerações mais jovens são fundamentais para criar uma cultura de dádiva.

Reconhecimento e gratidão

Simples gestos como mensagens de parabéns nos aniversários de cada dador de sangue, informação sobre quando o sangue doado efetivamente salvou uma vida, e a partilha dos resultados das análises realizadas fazem toda a diferença na fidelização.

Facilitar o acesso

Unidades móveis que se deslocam às empresas e universidades, horários alargados que incluem fins de semana, e sistemas de agendamento online simplificado removem muitas barreiras práticas.

Envolvimento comunitário

A organização de eventos em feiras e festividades, encontros regulares entre dadores, e parcerias estratégicas com empresas e organizações locais criam uma rede de apoio que sustenta a dádiva regular.

Um apelo ao coração e à razão

Num mundo cada vez mais individualista, ser dador de sangue representa algo extraordinário: a prova de que ainda acreditamos uns nos outros, de que a solidariedade não é apenas uma palavra bonita, mas uma ação concreta.

Cada dádiva é:
  • Um voto de confiança no futuro
  • Um gesto de amor pela humanidade
  • Uma ponte entre desconhecidos
  • Uma demonstração de que ainda há esperança.

E tu? Estás pronto para fazer a diferença?

O sangue que corre nas tuas veias pode ser a diferença entre a vida e a morte para alguém. Pode ser o que permite a uma criança recuperar de leucemia, a um acidentado sobreviver a um trauma, ou a uma mãe dar à luz em segurança.

Portugal tem uma rede de Serviços de Sangue distribuída por todo o país. Procura o mais próximo de ti e marca a tua dádiva. Podes também participar em campanhas móveis que visitam empresas, universidades e eventos comunitários.

A dádiva de sangue é um dos gestos mais puros de altruísmo que existem. Num ato simples, rápido e seguro, podem literalmente salvar vidas. Os desafios existem - falta de informação, barreiras práticas, receios - mas podem ser ultrapassados com educação, melhor organização e, sobretudo, com consciência coletiva.

No Dia Mundial do Dador de Sangue, celebramos todos os que já dão, encorajamos os que hesitam, e lembramos a todos que dar sangue é dar vida.

Porque dar sangue não dói. O que dói é não ter sangue quando se precisa.

Bibliografia 

Cardoso, R. M. P. de F. (2013). A perceção do dador de sangue face à dádiva de sangue e ao estatuto do dador de sangue [Master's thesis, Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa]. Repositório Científico do Politécnico de Lisboa. 

Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST). (2024, junho 28). Relatório de Atividade Transfusional e Sistema Português de Hemovigilância 2023.

Teixeira, R. M. P. de S. (2023). Análise da perceção de barreiras e identificação de fatores motivadores para a dádiva de sangue em Portugal [Master's thesis, Instituto Português de Administração de Marketing]. Repositório Comum.

Imagem via Canva.

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