Segurança transfusional: Erros e quase erros no processo transfusional
Mar 10
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Margarete Cardoso
A segurança transfusional é um dos pilares fundamentais da prática médica moderna, garantindo que o sangue e os seus componentes sejam utilizados com a máxima eficiência e segurança. No entanto, como revela o "Relatório de Atividade Transfusional e Sistema Português de Hemovigilância 2023", erros e quase erros ainda representam desafios significativos, sublinhando a necessidade de vigilância contínua, formação e melhoria de processos. Neste artigo, vamos analisar em detalhe os dados mais recentes sobre erros e quase erros na medicina transfusional, explorando:
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Segurança transfusional: Reações adversas em 2023
Durante o ano de 2023, foram notificadas 242 reações adversas em recetores (RAR) provenientes de 48 instituições. Cerca de metade destas notificações (48,76 %) ocorreu na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT), que também concentra a maior percentagem de transfusões de concentrado eritrocitário no país (38,09 %). Curiosamente, embora a taxa de notificações de reações adversas tenha aumentado em quase todas as regiões, incluindo na Região Autónoma da Madeira (de 1,75 % para 2,89 %) e na Região Autónoma dos Açores (de 0,87 % para 2,48 %), a região do Alentejo foi uma exceção, sem registo de crescimento.
Quais as reações adversas mais comuns e o seu grau de gravidade?
As reações febris não hemolíticas (48,40 %) e as reações alérgicas/urticariformes (23,74 %) continuaram a dominar, representando 72,14 % do total de reações em 2023. A maioria destas reações adversas (63,01 %) foram detetadas durante a transfusão.
Em termos de gravidade, 21 reações foram classificadas como graves, das quais cinco constituíram Ameaça Vital. Além disso, registaram-se dois casos de morte relacionados com complicações respiratórias da transfusão: sobrecarga volémica e TRALI (lesão pulmonar aguda associada à transfusão). Estes números representam 12,79 % do total de reações adversas reportadas, refletindo um aumento na taxa de notificações por 10 000 componentes transfundidos, algo que não se verificava desde 2020.
A maioria das notificações de RAR (n = 203) decorre da transfusão de componentes eritrocitários (77,48 %), seguidos pelos componentes plaquetários (20,23 %).
As reações hemolíticas agudas imunes também apresentaram uma ligeira redução, de cinco para três casos. No entanto, todas foram graves e resultaram de incompatibilidade ABO, associadas a erros na identificação do doente a transfundir.
Em termos de gravidade, 21 reações foram classificadas como graves, das quais cinco constituíram Ameaça Vital. Além disso, registaram-se dois casos de morte relacionados com complicações respiratórias da transfusão: sobrecarga volémica e TRALI (lesão pulmonar aguda associada à transfusão). Estes números representam 12,79 % do total de reações adversas reportadas, refletindo um aumento na taxa de notificações por 10 000 componentes transfundidos, algo que não se verificava desde 2020.
A maioria das notificações de RAR (n = 203) decorre da transfusão de componentes eritrocitários (77,48 %), seguidos pelos componentes plaquetários (20,23 %).
As reações hemolíticas agudas imunes também apresentaram uma ligeira redução, de cinco para três casos. No entanto, todas foram graves e resultaram de incompatibilidade ABO, associadas a erros na identificação do doente a transfundir.
Segurança Transfusional: A Importância da Identificação Correta do Paciente
Por exemplo, o "Annual SHOT Report 2023" relata um caso real que destaca a importância da identificação correta do paciente: "Dois tubos de amostras foram colhidos para um paciente com um nome semelhante ao de outro, mas sem pulseira de identificação no momento da colheita. O erro foi identificado após a amostra ser enviada ao laboratório, mas não antes de expor os pacientes a um risco potencial significativo. O caso sublinha a importância crítica de protocolos rigorosos de Identificação Positiva do Paciente."
Situações como esta enfatizam a importância de práticas rigorosas e controlos eficientes durante todo o processo transfusional.
Durante todo o processo de validação das notificações, permanece evidente a necessidade de reforçar a formação, melhorar os registos efetuados e aumentar a sensibilização de todos os profissionais envolvidos no ato transfusional, especialmente dos notificadores.
Situações como esta enfatizam a importância de práticas rigorosas e controlos eficientes durante todo o processo transfusional.
Durante todo o processo de validação das notificações, permanece evidente a necessidade de reforçar a formação, melhorar os registos efetuados e aumentar a sensibilização de todos os profissionais envolvidos no ato transfusional, especialmente dos notificadores.
Segurança transfusional: Quase erros
Os quase erros representam outro desafio relevante. No Serviço de Sangue foram registadas 20 notificações, representando uma taxa de 0,65 por 10 000 dádivas. De salientar que, de um universo de 31 instituições que poderiam ter notificado quase erros, 23 (74,19 %) não o fizeram. Estas falhas ocorreram principalmente durante a colheita de sangue total, muitas vezes relacionada a fatores humanos e materiais.
Por outro lado, no Serviço de Medicina Transfusional registaram-se 122 notificações de quase erros, numa taxa de 3,57 por 10 000 unidades transfundidas, uma taxa inferior à registada em 2022 (4,02 por 10 000). Considerando que existem 265 instituições que transfundem, somente 8,30 % das instituições (22 instituições) notificaram quase erros.
Por outro lado, no Serviço de Medicina Transfusional registaram-se 122 notificações de quase erros, numa taxa de 3,57 por 10 000 unidades transfundidas, uma taxa inferior à registada em 2022 (4,02 por 10 000). Considerando que existem 265 instituições que transfundem, somente 8,30 % das instituições (22 instituições) notificaram quase erros.
Causas dos quase erros?
A maior parte (82,78 %) desses eventos ocorreu na fase pré-analítica, antes da receção das amostras no laboratório de estudos transfusionais, sendo atribuídas a erros humanos em práticas como requisição da transfusão, colheita e identificação de amostras (representando 69,67 % do total de quase erros).
Estas situações são frequentemente exacerbadas por fatores como:
Além disso, a desatenção e a participação de diferentes grupos profissionais na prestação de cuidados ao doente aumentam a complexidade e o risco de ocorrência de quase erros, exigindo uma melhor coordenação e protocolos mais robustos.
Apesar destes desafios, os Serviços de Medicina Transfusional continuam a ser mais eficientes na deteção de não conformidades, identificando 78,69 % dos quase erros reportados. A sua capacidade de controlar processos e implementar medidas corretivas reflete-se positivamente na redução do impacto dessas ocorrências.
Estas situações são frequentemente exacerbadas por fatores como:
- excesso de trabalho;
- burnout dos profissionais;
- comunicação deficiente;
- conhecimento deficitário;
- recursos insuficientes.
Além disso, a desatenção e a participação de diferentes grupos profissionais na prestação de cuidados ao doente aumentam a complexidade e o risco de ocorrência de quase erros, exigindo uma melhor coordenação e protocolos mais robustos.
Apesar destes desafios, os Serviços de Medicina Transfusional continuam a ser mais eficientes na deteção de não conformidades, identificando 78,69 % dos quase erros reportados. A sua capacidade de controlar processos e implementar medidas corretivas reflete-se positivamente na redução do impacto dessas ocorrências.
Segurança transfusional: Erros
Nos Serviços de Sangue foram registados nove erros por cinco instituições, mas 83,87 % dos possíveis notificadores não reportaram qualquer erro, evidenciando a necessidade de melhorar a cultura de notificação.
Em 2023, os Serviços de Medicina Transfusional reportaram 38 erros em 16 instituições (6,04 % do total de serviços que transfundem), sendo que 78,95 % desses erros foram detetados nos Serviços Imuno-hemoterapia.
Em 2023, os Serviços de Medicina Transfusional reportaram 38 erros em 16 instituições (6,04 % do total de serviços que transfundem), sendo que 78,95 % desses erros foram detetados nos Serviços Imuno-hemoterapia.
Quando ocorreram os principais erros associados à transfusão?
A maioria dos erros ocorreu durante as fases críticas do processo transfusional, com 44,74 % na requisição da transfusão, 23,68 % durante a administração da transfusão e 13,16 % na escolha do componente. Dos 38 erros registados, seis (15,79 %) ocorreram no Serviço de Imuno-hemoterapia e os restantes (84,21%) ocorreram na área clínica.
Quais os tipos de erros mais comuns do processo transfusional?
Quando analisamos os tipos de erros registados, notamos que a maioria deles (21, ou seja, 55,26 %) se relacionam com a identificação. Erros específicos incluem a identificação errada do doente na requisição (21,05 %), identificação incorreta do doente (15,79 %) e administração da unidade errada (13,16 %). Das 38 notificações de erro, foram registadas consequências para o recetor em quatro. Destas, duas referem-se a Reações Hemolíticas Agudas Imunes com imputabilidade demonstrada.
Segurança Transfusional: A Importância da Comunicação e da Verificação
Um caso ilustrativo de erro no processo transfusional, relatado no "Annual SHOT Report 2023", demonstra como falhas de comunicação e verificações insuficientes podem levar a riscos desnecessários: "Um paciente programado para cirurgia à coluna recebeu por engano concentrado eritrocitário em vez de plaquetas, como inicialmente prescrito. A administração incorreta foi detetada apenas após a transfusão, quando outro profissional verificou que o componente entregue estava errado. Apesar de o paciente não ter sofrido consequências adversas, o caso reforça a importância de verificações rigorosas durante o processo transfusional."
Segurança transfusional: Recomendações para um sistema mais seguro
A análise dos erros e quase erros destaca a importância de reforçar uma cultura não punitiva, que fomente a aprendizagem contínua e melhore o registo de notificações. Implementar ferramentas de qualidade, como a análise de causas-raiz (Root Cause Analysis), pode aumentar a eficácia das medidas preventivas, enquanto a modernização dos sistemas de registo e a formação dos profissionais em segurança do doente são cruciais para minimizar riscos.
Como reforça o relatório, a segurança transfusional não depende apenas de ferramentas tecnológicas, mas também da articulação eficaz entre Comissões Transfusionais e Comissões de Qualidade e Segurança/Risco dos hospitais. A implementação de programas, como o Patient Blood Management (PBM), formalizado pelos Despachos n.º 12310/2021, de 17 de dezembro e n.º 12963/2024, de 31 de outubro, reforça o compromisso nacional com a gestão do sangue e segurança do doente.
Como reforça o relatório, a segurança transfusional não depende apenas de ferramentas tecnológicas, mas também da articulação eficaz entre Comissões Transfusionais e Comissões de Qualidade e Segurança/Risco dos hospitais. A implementação de programas, como o Patient Blood Management (PBM), formalizado pelos Despachos n.º 12310/2021, de 17 de dezembro e n.º 12963/2024, de 31 de outubro, reforça o compromisso nacional com a gestão do sangue e segurança do doente.
5 Recomendações para um sistema transfusional mais seguro
Identificar corretamente os doentes
É a base da segurança transfusional - erros ou quase erros nesta fase comprometem a segurança de todo o procedimento.
Reforçar uma cultura não punitiva
Promovendo o reporte de incidentes como ferramenta de aprendizagem - incentivando os profissionais a reportarem ocorrências sem receio de penalizações.
Reduzir o tempo entre ocorrências e notificações
Melhora a resposta, a análise e o suporte aos notificadores para além de diminuir a probabilidade de esquecimento da notificação.
Fortalecer a formação dos profissionais envolvidos na cadeia transfusional
Profissionais atualizados em boas-práticas são mais confiantes e eficazes na execução dos procedimentos.
Investir em tecnologia
Permitindo a redução de erros humanos em todas as fases do processo transfusional.
Relatório de Atividade Transfusional 2023
O "Relatório de Atividade Transfusional 2023" demonstra avanços importantes, mas também destaca fragilidades que precisam de atenção e evidencia que ainda há muito trabalho a ser feito para reduzir riscos associados a erros e quase erros.
Este relatório faz, acima de tudo, um apelo à melhoria contínua: desde a formação e sensibilização dos profissionais até à modernização dos sistemas e processos. Erros e quase erros podem ser minimizados quando a prevenção, o controlo e a aprendizagem contínua são prioridades claras em todos os níveis da cadeia transfusional.
Estes são compromissos que não só beneficiam os doentes, mas também fortalecem todo o sistema de saúde. Afinal, prevenir é salvar vidas.
Este relatório faz, acima de tudo, um apelo à melhoria contínua: desde a formação e sensibilização dos profissionais até à modernização dos sistemas e processos. Erros e quase erros podem ser minimizados quando a prevenção, o controlo e a aprendizagem contínua são prioridades claras em todos os níveis da cadeia transfusional.
Estes são compromissos que não só beneficiam os doentes, mas também fortalecem todo o sistema de saúde. Afinal, prevenir é salvar vidas.
Segurança transfusional: Dados, desafios e caminhos para a melhoria
Queres aprender mais sobre este tema? Atualiza-te sobre as melhores práticas em segurança transfusional assistindo ao nosso webinar sobre este tema "Segurança Transfusional: Dados, Desafios e Caminhos para a Melhoria". Descobre as estratégias para garantir a segurança nas transfusões de sangue. |
Imagem via Adobe Stock.
Critérios de Aceitação dos Equipamentos
Este documento foi criado com o objetivo de concentrar informação acerca dos critérios de aceitação definidos para cada equipamento do serviço de saúde.
É muito útil, sobretudo para os serviços de saúde que dispõem de um número elevado de equipamentos.
Deve ser feito, preferencialmente, em folha Excel e existir apenas em formato digital.
Deve ser fornecido aos técnicos do laboratório que realizam as calibrações e os ensaios para que saibam exatamente o que medir em cada equipamento e consigam localizar facilmente os equipamentos, de modo a diminuir o potencial número de erros que podem existir nos certificados de calibração e nos relatórios de ensaio. Também deve ser usado no momento da análise de certificados de calibração e de relatórios de ensaio.
Estado Metrológico dos Equipamentos
Este documento foi criado com o objetivo de concentrar informação sobre o estado metrológico de cada equipamento, após a análise dos certificados de calibração e dos relatórios de ensaio.
Deve ser feito, preferencialmente, em folha Excel e existir apenas em formato digital.
Este documento é muito útil, sobretudo para os serviços de saúde que dispõem de um número elevado de equipamentos, na medida em que fornece uma visão geral do estado metrológico dos equipamentos.
Deve ser feito, preferencialmente, em folha Excel e existir apenas em formato digital.
Este documento é muito útil, sobretudo para os serviços de saúde que dispõem de um número elevado de equipamentos, na medida em que fornece uma visão geral do estado metrológico dos equipamentos.
Avaliação de Relatório de Ensaio
A avaliação dos relatórios compreende a análise do seu conteúdo e dos resultados.
Os resultados dos relatórios devem ser analisados face a critérios de aceitação/rejeição que o serviço de saúde tiver estabelecido, devendo ter em consideração os seus erros e a incerteza da medição.
A análise é da responsabilidade das organizações de saúde.
A Health UP criou o documento “Avaliação de Relatório de Ensaio” para as organizações de saúde procederem à análise do conteúdo e dos resultados dos relatórios.
Deve ficar evidenciado que os relatórios foram analisados e a tomada de decisão em relação ao equipamento que resultou dessa mesma análise.
A análise do conteúdo deve seguir o indicado na Norma ISO 17025, que define os requisitos comuns para os relatórios de ensaio emitidos pelos laboratórios com competência comprovada para o efeito.
Os resultados dos relatórios devem ser analisados face a critérios de aceitação/rejeição que o serviço de saúde tiver estabelecido, devendo ter em consideração os seus erros e a incerteza da medição.
A análise é da responsabilidade das organizações de saúde.
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Deve ficar evidenciado que os relatórios foram analisados e a tomada de decisão em relação ao equipamento que resultou dessa mesma análise.
Avaliação de Relatório Conclusivo
A avaliação dos certificados de calibração e dos relatórios de ensaio compreende a análise do seu conteúdo e dos resultados.
A Health UP criou o documento “Avaliação de Relatório Conclusivo” para as organizações de saúde evidenciarem a análise dos relatórios.
A análise do conteúdo deve seguir o indicado na Norma ISO 17025, que define os requisitos comuns para os relatórios de ensaio e os certificados de calibração emitidos pelos laboratórios com competência comprovada para o efeito.
Os resultados dos relatórios devem ser analisados face a critérios de aceitação/rejeição que o serviço de saúde tiver estabelecido, devendo ter em consideração os seus erros e a incerteza da medição.
No caso de a organização de saúde ter pedido um relatório conclusivo, a análise dos resultados já consta do relatório, tendo sido feita pelo laboratório que realizou a calibração e/ou o ensaio. Nesta situação, a organização de saúde solicita uma declaração de conformidade com uma especificação para o ensaio ou a calibração. A versão atual da ISO 17025 esclarece que a especificação e a regra de decisão devem estar claramente definidas.
A organização de saúde deverá fornecer ao laboratório o erro máximo admissível (EMA) do equipamento, a especificação e a regra de decisão.
A emissão de declarações de conformidade requer acordo prévio documentado com a organização de saúde.
A Health UP criou o documento “Avaliação de Relatório Conclusivo” para as organizações de saúde evidenciarem a análise dos relatórios.
Avaliação de Certificado de Calibração
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A análise do conteúdo deve seguir o indicado na Norma ISO 17025, que define os requisitos comuns para os relatórios de ensaio e os certificados de calibração emitidos pelos laboratórios com competência comprovada para o efeito.
Os resultados dos relatórios devem ser analisados face a critérios de aceitação/rejeição que o serviço de saúde tiver estabelecido, devendo ter em consideração os seus erros e a incerteza da medição.
A análise é da responsabilidade das organizações de saúde.
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