Dádiva de sangue em Portugal: O desafio de salvar vidas

Nov 30 / Margarete Cardoso
A dádiva de sangue é um gesto simples, mas de um impacto imensurável.

Todos os dias, o sangue doado salva-vidas em cirurgias, tratamentos oncológicos, acidentes e complicações obstétricas. Mas quem são as pessoas por trás deste gesto altruísta? E o que dizem os números mais recentes sobre a dádiva de sangue em Portugal?

Relatório revela as tendências, o impacto do envelhecimento dos dadores e a necessidade de atrair novas gerações

O Relatório de Atividade Transfusional e Sistema Português de Hemovigilância de 2023 revela um cenário onde o esforço coletivo é visível, mas os desafios permanecem. 

Tendências e números de 2023: Um equilíbrio frágil

Em 2023, registou-se um aumento no número de dadores regulares relativamente aos três anos anteriores, uma conquista relevante que reflete o impacto das campanhas de sensibilização e do trabalho incansável dos serviços de sangue. No entanto, apesar deste crescimento, o número total de dádivas manteve-se praticamente inalterado. Foram registadas 376 653 inscrições de dadores, dos quais 205 355 realizaram pelo menos uma dádiva. No total, foram realizadas 306 033 dádivas, um valor semelhante registado em 2022.

Este dado revela um equilíbrio frágil: mais pessoas estão a inscrever-se como dadores, mas fatores como viagens para locais com risco geográfico, baixos níveis de hemoglobina e outras questões de saúde impedem que a frequência das dádivas aumente de forma significativa.

Os dadores em Portugal são maioritariamente mulheres (52,77 % dos dadores inscritos), uma tendência que se mantém estável ao longo dos anos. Quanto à média de idades, esta tem-se mantido estável ao longo dos anos. No entanto, quando analisamos a distribuição por grupos etários, verificamos uma tendência para o envelhecimento da população de dadores: a faixa etária dos 18-24 foi responsável por 15,19 % das dádivas (menos 0,27 % do que em 2022); o grupo dos 25-44 anos representa 43,5 % das dádivas (mais 0,39 % do que em 2022) e os dadores dos 45-65 anos foram responsáveis por 40,89 % das dádivas de sangue (mais 0,03 % do que em 2022).

Um outro aspeto importante referido neste Relatório é que, apesar de em 2023 se ter verificado uma diminuição da inutilização de componentes eritrocitários relativamente a 2022, o prazo de validade continua a ser a causa mais frequente de inutilização para todos os componentes, incluindo para o concentrado de eritrócitos - o componente mais transfundido. Foram inutilizadas 17 777 unidades por prazo de validade ultrapassado de um total de 29 119 unidades, o que representa 61 % dos componentes inutilizados. Segundo o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), estes números refletem as dificuldades na gestão entre oferta e procura, bem como a pressão para manter em inventário componentes para situações de urgência ou emergência.

Dádiva de sangue: Os futuros dadores de sangue

Apesar das campanhas junto dos mais novos, há uma preocupação clara: como garantir uma renovação contínua dos dadores para o futuro?

A resposta passa, em grande parte, por atrair e fidelizar dadores mais jovens. Campanhas de sensibilização dirigidas às escolas e universidades têm sido uma aposta essencial, mostrando que doar sangue é um gesto simples e rápido, mas com um impacto gigantesco - afinal, cada dádiva pode salvar até três vidas. Além disso, iniciativas que educam os jovens sobre o valor dos componentes sanguíneos são fundamentais para criar uma cultura de dádiva desde cedo.

Porém, mais do que números, é importante salientar que a dádiva de sangue é feita de histórias reais. Ana Teresa Trinca e Paulo Oliveira são um casal de dadores, que fazem questão de ir sempre juntos realizar a sua dádiva de sangue.

A psicóloga, de 54 anos, Ana Teresa Trinca é uma dadora regular e partilha que dá sangue com a intenção de salvar vidas ou, pelo menos, de melhorar a condição de saúde de alguém que pode estar doente ou ter sofrido um acidente. "O meu grupo sanguíneo O+, dá-me uma motivação extra para dar sangue", confessa. Os mesmos motivos para a dádiva de sangue são apontados pelo arquiteto, de 58 anos, Paulo Oliveira, "É a minha maneira de contribuir para a sociedade", afirma.
Estes exemplos demonstram o valor humano por trás de cada dádiva. São pessoa comuns, com rotinas e desafios próprios, que dedicam uma parte do seu tempo para ajudar desconhecidos. E são estas dádivas regulares que mantêm o sistema de saúde a funcionar.  

Hemovigilância: Transfusões e reações adversas

Os serviços de imuno-hemoterapia registaram em 2023 a produção de 249 342 unidades de concentrado eritrocitário e a transfusão de 284 975 unidades, beneficiando 88 327 doentes.

Quanto à hemovigilância, foram notificadas 1017 reações adversas em dadores, sendo as mais comuns:
  • Reações vasovagais: 592 casos
  • Hematomas e sinais locais: 425 casos


Os dadores mais jovens (18-24 anos) e os dadores com menor número de dádivas são os mais suscetíveis a estas reações, mas a maioria é ligeira e resolve-se sem complicações,

A maioria das reações adversas em dadores ocorreram no local da colheita, entre a introdução e a remoção da agulha (44,35 %), seguido da remoção da agulha (33,73 %), depois no local da refeição (15,73 %) e apenas 6 % após o dador abandonar o local da colheita. Estes números evidenciam a necessidade de melhorar o conhecimento do dador acerca do processo de dádiva e dos procedimentos preventivos antes e após a colheita, bem como a informação prestada ao dador durante todo o processo.

Resumo com os principais destaques do Relatório de Atividade Transfusional e Sistema Português de Hemovigilância de 2023

  • N.º total de Inscrições de Dadores: 376 653
  • N.º total de Dadores que Realizaram Dádiva: 205 355
  • N.º total de Dádivas: 306 033
  • Dadores de 1.ª vez: 32 739
  • N.º total de Dadores: 246 760
  • Dadores Habituais: 172 616
  • Unidades Produzidas - Concentrado Eritrocitário: 249 342
  • Unidades Transfundidas - Concentrado Eritrocitário: 284 975
  • Doentes Transfundidos - Concentrado Eritrocitário: 88 327

Os Desafios: O futuro da dádiva de sangue em Portugal 

Como vimos, o cenário atual traz boas notícias, mas exige também uma reflexão profunda: como podemos garantir que o sangue nunca falte? Sensibilizar todas as faixas etárias, facilitar o acesso aos locais de colheita e criar programas de retenção de dadores são passos fundamentais para que Portugal continue a responder às necessidades do seu sistema de saúde.

O Relatório de 2023 deixa-nos, assim, um desafio claro: continuar a sensibilizar e a humanizar a dádiva de sangue. Porque, no fundo, não é apenas sobre números ou metas atingidas - é sobre salvar vidas.


Imagem via Adobe Stock.
A Health UP agradece à Ana Teresa e ao Paulo Oliveira a gentileza da autorização para publicação da fotografia.

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